segunda-feira, agosto 27, 2012
A cassete amarela - ou como não gostava de Pearl Jam no Verão de '92


"Tens que ouvir isto", disse-me o Paulo enquanto me estendia uma cassete BASF amarela etiquetada "Ten - Pearl Jam" que acabara de tirar do seu inseparável walkman.
O Paulo era o meu primo de Lisboa que, todos os verões, ia passar uma temporada a casa dos meus pais a Trás-os-Montes. E todos os anos, na mochila, levava consigo uma carrada de cassetes - originais e piratas - das bandas que estivesse a ouvir na altura. E eram sempre muitas. Eram sempre mais as cassetes que a roupa.
Nascido três anos antes de mim, o Paulo foi o irmão mais velho que nunca tive e a minha primeira grande influência no que toca a preferências musicais. Foi com ele - e graças à sua mochila atrofiada de cassetes - que ouvi pela primeira vez Pixies, Aerosmith, Guns n' Roses, Def Leppard, Van Halen, Metallica, Nirvana, Radiohead, Billy Idol, Bon Jovi (antes do abandalhamento), Cult e INXS... entre muitas outras bandas. Por isso, quando naquele início de Verão de 1992 o Paulo me passou a cassete amarela e disse "tens que ouvir isto"... eu limitei-me de forma obediente a pô-la a tocar no leitor do quarto enquanto ele desfazia a mala.
Confesso que não foi amor à primeira vista. Para um "rockeiro" habituado à sonoridade vibrante do "glam rock" e do "hair metal", "Ten" era demasiado... soturno. Não era música para ouvir no Verão. Não me impressionou. E devo ter feito uma expressão qualquer de desprezo depois da primeira audição que deixou o meu primo incrédulo. "Tás marado?! Isto é um ganda som"!... "Não é a minha onda", respondi-lhe.
Mas ao longo das quatro ou cinco semanas seguintes o rapaz não desarmou. Andou com a cassete sempre atrás de si e, onde quer que houvesse um leitor, lá tinha eu que gramar com aquele som deprimente ou com ele a cantar "Even Flow", "Alive", "Black" e "Jeremy" com os auriculares do walkman enfiados nos ouvidos - o que era infinitamente pior. Era na cozinha ao almoço; na esplanada do café de Paradela onde a avantajada filha da dona servia às mesas ao fim da tarde; no quarto durante as últimas conversas da noite; no Fiat vermelho do meu pai durante os passeios de fim-de-semana; no relvado da piscina municipal de Vila Real ou da praia fluvial enquanto bebíamos coca-cola, comíamos gelados e cachorros e desapercebidamente deitávamos o olho às "aveques" em bikini. Mas não havia forma de "Ten" me entrar no sistema ainda sobrecarregado com o(s) fabuloso(s) e extasiante(s) "Use Your Illusion" - isso sim, disco(s) apropriado(s) para o Verão.
As férias chegavam ao fim e o Paulo regressava a Lisboa. Mas antes de se meter no autocarro voltou a abrir o walkman e a estender-me a BASF: "Fica com esta que eu gravo outra para mim". Admito - hoje com alguma vergonha - ter aceite apenas por uma questão de educação.
Era sempre um momento triste despedirmo-nos do Paulo. E a saudade insinuava-se assim que ele pisava o primeiro degrau a subir para o autocarro, e invadia-nos completamente à medida que se ia afastando.
Já no regresso a casa, sentado no banco do pendura do Fiat vermelho e com a lágrima no canto do olho, reparo que ainda seguro a cassete amarela. Retiro-a da pequena caixa de plástico e enterro-a no leitor do auto-rádio. "Even Flow" está a acabar. E, de repente, talvez devido à tristeza do momento, ao ouvir o primeiro - e memorável - riff da guitarra de Stone Gossard em "Alive" faz-se luz algures no meu cérebro. A cabeça começa a abanar ao ritmo da bateria e, surpreendentemente, dou por mim a cantar uma letra que desconhecia conhecer por cima da voz de Eddie Vedder. Subitamente, aquela música fazia sentido para mim.
O mais surpreendente, porém, é que à medida que vou ouvindo, apercebo-me que está lá tudo! O Verão todo! As saladas frias de feijão verde da minha mãe; a bem apetrechada filha da dona do café de Paradela; as conversas parvas de fim-de-noite; o passeio às Fisgas de Ermelo e a Mirandela; as "aveques" em biquini no Codessais... Tudo!
E sorri ao perceber que, afinal, o meu "irmão mais velho" tinha, mais uma vez, razão. É, decididamente, um "ganda som" primo.  E obrigado pela cassete.



NOTA: Passam precisamente hoje 21 anos sobre o lançamento de "Ten", dos Pearl Jam, um dos melhores discos rock de sempre. 
posted by Raimundo @ segunda-feira, agosto 27, 2012  
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