Desde que Luís de Camões se referiu aos "que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando" os medíocres e os incapazes de todas as épocas desataram a sobrevalorizar as obras daqueles menos medíocres e mais capazes por forma a ressuscitar um panteão de endeusados heróis nacionais - que na realidade não passam de pessoas melhores que aquelas - que mitigassem a angústia provocada pelo reconhecimento da sua própria mediocridade e incapacidade através de uma espécie de comunhão solene. Na verdade ninguém se liberta completamente da lei da morte por muito “valerosa” que seja a obra. E o que nos resta hoje são, não heróis nem deuses, mas egrégios mortos-vivos cuja voz ecoa assombrosa das brumas da memória da pátria e a paternalizam em vez de a conduzir à vitória. Mas ainda pior que esses oportunistas que tentam perfumar-se com o suor dos que não sendo assim tão “valerosos” sempre são melhores que eles, são os que, não conhecendo nem as obras nem os obreiros nem os valores, se colam aos primeiros em adoração aos segundos no que em tudo se assemelha a um caso de histeria colectiva. Esses são oportunistas em segundo grau. O que é infinitamente pior que o ser em primeiro porque envolve sempre uma dose extra de imbecilidade. Nos últimos dias, na blogosfera, assistiu-se a uma multiplicação de “homenagens” a Mário Cesariny que faleceu no passado domingo. Desde poemas a reproduções de obras plásticas acompanhadas, na sua grande maioria, por textos com mais adjectivos que substantivos. E o mais engraçado, apostava o meu testículo direito (o esquerdo já está empenhado pela vitória do Benfica no Campeonato deste ano, pelo que temo ficar sem ele lá para Maio), é que nem metade dessa gente alguma vez leu algo de ou sobre Cesariny nem nunca viu uma exposição de obras suas. Para mais de metade dessa gente Cesariny era, até à massificação do seu elogio fúnebre, um som obscuro que jazia no fundo da memória desligado de qualquer recordação. O Mundo Por Raimundo não vai a esse circo. Não porque se ache melhor que os outros (apesar de se achar, mas essa não é a razão). Não porque não tenha, também, o seu par de sobrevalorizados heróis com as suas sobreavaliadas obras. Mas tão somente porque aspira a uma cretinice original baseada em pressupostos niilistas que se recusa submeter-se a deuses forjados dos e pelos seus pares ainda que aqueles tenham sido pessoas excepcionais. Haverá um tempo para recordar os mortos. E haverá quem, na devida altura, o saiba fazer digna e convenientemente. Mas entretanto há que deixá-los morrer. Com o devido respeito. Sem falsos órfãos e sem voluntárias carpideiras. |
Opá, esta foi fixe! Por acaso, ontem, ouvi dize a não sei quem que ao funeral mesmo foram para aí 15 pessoas apenas...logo, o elogio foi só mesmo na blogosfera...carneirada, não vale a pena dizer mais nada...pois eu, lembro-me sempre do homem que venceu e que se matou na margem mais escura do rio, ao volante de um belo packard... a obra sempre fica para alguns apreciarem, e às vezes nem importa (e até é desejável) nem saber de quem é... E o resto, o resto é história...