terça-feira, junho 20, 2006
Ideias claras sobre o essencial... ou não!

Andava eu contente da vida há quase duas semanas. Sem passar os olhos pelos diários de referência. Livre da angústia que me provocam as crónicas caliméricas dos nossos desditosos cronistas. Liberto do sentimento de impotência que me assalta ao ler os relatos de mais um atentado suicida no Iraque, de mais uma enxurrada numa favela de um país sul-americano, de mais um terramoto no Japão, de mais um relatório final de uma operação da brigada de trânsito, de mais outra inenarrável catástrofe num sítio qualquer do planeta que ceifou não sei quantas mais vidas.

Andava eu felicíssimo só com a leitura dos diários desportivos a relatarem belos e bastantes golos no Campeonato do Mundo da Bola. A ler as crónicas entusiasmadas de jornalistas, comentadores, jogadores na reforma e técnicos de segundo plano. Todos ébrios de um optimismo labrego mas, ainda assim, fofinho. Todos fartos de um sentimento patriótico absurdo mas, ainda assim, inofensivo. Todos felizes e contentes… como eu!

Andava eu nas minhas sete quintas. Sem pensar em incidentes infelizes. Sem pensar. Só a maldizer o Scolari por pura maldade e evidente despeito e a delirar com os artistas da minha Argentina, filhos – legítimos – de Maradona e Passarella. Semi-deuses, portanto.

Andava… até hoje (acho que já é ontem).

Algures a meio da tarde alguém me estende um exemplar do Diário de Notícias. Franzi o sobrolho. Olhei de esguelha para o tipo de braço estendido. Eu tinha feito um pacto comigo próprio de, durante o Mundial, não ler jornais que costumo levar a sério. Não é por nada… é só porque, por lhes atribuir uma certa seriedade, temo que a sua leitura me resgate do maravilhoso ambiente de euforia em que sempre faço questão de me imiscuir por ocasiões como esta, em que durante quatro semanas – de dois em dois anos – sou igual ao resto do povinho: Feliz, simpático, altruísta, solidário e completamente desinformado de tudo o que não diga respeito à bola! É uma espécie de catarse. Ajuda a manter o precário equilíbrio da minha sanidade mental.

Voltando atrás…

O rapaz de jornal estendido na minha direcção, por qualquer razão, não se deixou intimidar pelo meu olhar ameaçador e não tive outro remédio senão pegar no dito. Este foi o meu primeiro erro. O segundo foi olhar para ele e começar a folheá-lo. Acabara de quebrar o meu próprio pacto. E pagaria por isso. Logo com chamada na capa vinha mais uma suspeita de corrupção a envolver o Major de Gondomar. Depois mais um episódio na interminável novela das escutas. De seguida mais uma noticiazita a anunciar que o reembolso do IRS que o Estado me levou indevidamente ao longo do ano vai chegar atrasado. E, por fim, para a machadada final no meu estado de exaltação mundialista, deparo-me com a crónica do professor João César das Neves – que, naquilo que só o próprio não se apercebe tratar-se de fina ironia, se intitula “Ideias claras sobre o essencial”. Mais obtuso que o habitual, mais hipócrita e beato e reaccionário que o costume e tão idiota, porém, como sempre, o professor u-ni-ver-si-tá-rio discorre sobre o bem e o mal e sobre deus e o diabo – sobretudo sobre o último – e de como o mafarrico se pavoneia lascivamente à nossa frente perante uma indolência imoral mascarada de tolerância e liberalismo.

Não vou aqui rebater nenhum ponto do seu texto porque seria um supérfluo exercício retórico. Mas deixo-vos o respectivo link para que possam apreciar este belo exemplo de “ideias claras sobre o essencial”. Se as ideias são ou não claras e se isto é ou não o essencial deixo ao critério das convicções de cada um. Embora tenha para mim que não é de convicções que trata o texto mas tão somente de delírio provocado por alguma espécie de sífilis cerebral.

Seja como for, o raio do escrito já me estragou o espírito do Mundial. Obrigou-me a usar a cabeça para pensar, o que me roubou parte da felicidade que a ignorância da sua existência me estava a proporcionar. Agora só com mais meia-dúzia da Argentina à Holanda é que isto volta ao sítio. E "rais ma partam" se até ao dia da final volto a pegar em mais algum diário que não verse exclusivamente sobre o Campeonato do Mundo da Bola.

posted by Raimundo @ terça-feira, junho 20, 2006  
5 Obscenidades evitáveis:
  • At 21 junho, 2006 23:37, Blogger cristina said…

    Olha que eu até abri o post do senhor e até comecei a ler à espera de ver quando é que apareceria o futebol como mal de todos os pecados da sociedade consumista, ou algo do género. Mas não! Passei então a uma leitura enviesada: "eterninade", "amor de Deus", "Deus concede", "juízo final", "Diabo", "mal puro",... - desisti!

     
  • At 22 junho, 2006 20:00, Anonymous Anónimo said…

    Está visto que a nossa Cristina foi vítima de publicidade enganosa ...

     
  • At 26 junho, 2006 17:40, Anonymous Anónimo said…

    Pe�o desculpa pela ausencia, n�o foi por m� vontade :)! a explica��o para tal encontra-se no meu blog!
    bem hajas!

     
  • At 18 julho, 2006 20:41, Anonymous Anónimo said…

    ohh pá...a 20 de junho.. 20 de junho, de junho, junho?!?!?! quando é que sito tem uma actualizaçãozita, hein?

     
  • At 27 julho, 2006 16:45, Anonymous Anónimo said…

    Com Mais tempo li agora o texto...
    enfim... é só mais um hipocrita num país cheio deles!
    bem hajas!
    aparece!

     
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