quarta-feira, abril 12, 2006
Os homens, as mulheres e os supermercados

O meu amigo Oli está chateado com a falta de cavalheirismo que grassa como uma praga por este país. O rapaz, que é bom rapaz – com toda a inocência que isso pressupõe –, ficou escandalizado quando, no último domingo, num parque de estacionamento do Jumbo, assistiu à vulgar cena da mulher a transferir as compras do carrinho para o automóvel enquanto, confortavelmente sentado no banco do condutor, o marido coçava a micose sem lhe prestar o mínimo auxílio.

Oli, Oli, Oli… tss, tss… Como tão bem fizeste notar, no último domingo foi dia de futebol – como o são, pelo menos, 34 domingos por ano e, se calhar, o homem não queria ir ao supermercado... queria ir à bola com os amigos. Mas a patroa tanto o chateou que o tipo não teve outro remédio. Depois, a mulher deve ter demorado duas horas para comprar a dúzia e meia de artigos do costume... e vocês sabem como são as mulheres – a maior parte, pelo menos – nos supermercados:

Comparam preços, lêem os ingredientes, tiram, pousam, voltam a tirar, metem no carrinho, tiram do carrinho, arrependem-se e voltam a meter no carrinho, tornam a arrepender-se e voltam a tirar do carrinho. Hesitam entre a polpa de tomate clássica e a "com cebola e alho", inspeccionam todos os tipos de peixe, seguram em todas as embalagens de carne, tiram duas bananas do cacho e metem o resto numa saca. Pedem 200 gramas de fiambre "daquele… não, daquele… não, não, daquele mais atrás… esse, sim, obrigado", e outro tanto de queijo. Tiram as tampas de todos os amaciadores da roupa, cheiram-nos à vez e obrigam-nos a cheirá-los também – como se nós notássemos grandes diferenças e eles não cheirassem todos a sabão – antes de voltarem a levar o que haviam levado da última vez apesar de nós termos escolhido outro qualquer quando ela nos pediu a opinião. Não ficamos muito chateados com isso porque tínhamos escolhido “ao calhas” só para despachar a coisa, até porque já estávamos a prever que a cena se ia repetir, tal e qual, na prateleira dos desodorizantes e dos ambientadores. E, depois, com dois produtos que nos parecem ser absolutamente iguais, um em cada mão, bombardeiam-nos com aquelas perguntas clássicas: “que achas? Levamos este?... ou este?”, “Gostas mais da lasanha bolonhesa… ou com bechamel”, “da cobertura de chocolate?... ou de caramelo?”, “dos corn flakes?... ou dos choco crispies?”, “Coca-Cola ou Pepsi?”...

Estas perguntas não se destinam a auscultar a nossa opinião. Não senhor. Se ela faz compras connosco no supermercado, é porque já nos conhece há tempo suficiente para saber o que gostamos ou deixamos de gostar. Na realidade, ela não quer saber a nossa opinião. Ela já sabe o que gostamos. Não precisa perguntar. Esta bateria de questões têm o objectivo único de tentar fazer de nós cúmplices de um ritual que ela adora e que sabe que nós detestamos. Ela quer furtar-se ao peso da culpa que carrega por saber que estamos MUITO aborrecidos, tentando, pela interactividade, puxar-nos bem para o centro da acção e dando-nos a sensação – falsa – de que também fazemos parte do processo de escolha e que, afinal, somos uma “equipa”, e que nos “estamos a divertir imenso a fazer compras”. Olha que não pega num pack de cerveja barata e num de Heineken e nos pergunta qual preferimos!

Só queremos que o sofrimento acabe. E a hora do jogo aproxima-se vertiginosamente. E o carrinho ainda não está cheio. E… NÃÃÃÃÃÃÃOOO!... ela acaba de esbarrar com a prima de uma amiga de uma colega do escritório. É o pânico… elas vão passar minutos preciosos a falar de como vão as coisas, e o emprego, e os filhos, e as doenças que os pais de ambas tiveram desde a última vez que se viram no salão onde trabalha aquela cabeleireira anoréctica que as duas gostam muito e em quem o marido bate quando se droga. E nós ficamos ali, de pé, impacientes, a olhar para o relógio em desespero numa atitude em tudo idêntica à do companheiro da outra, com quem trocamos um olhar de simpatia: “Compreendo-te perfeitamente camarada, também eu queria ir ver o jogo”!

Finalmente, o tormento termina e encaminhamo-nos para a caixa. E, nesta altura, reparem bem no seu olhar triste. É idêntico ao de uma criança no final da hora do recreio, ou quando sai de um carrossel sabendo que, naquele dia, não vai dar mais nenhuma volta. Deita um último olhar às filas de prateleiras e deixa escapar um suspiro de resignação. Por ela, passaria ali o resto do dia!

Obviamente, por esta altura, já estamos para lá de furibundos. Até porque, olhamos para o que acabámos de adquirir e percebemos imediatamente que se tivéssemos ido sozinhos tínhamos comprado exactamente a mesma coisa e já teríamos ido embora há hora e meia atrás. E já estaríamos no estádio ou no café a ver o árbitro apitar para o início do desafio acompanhados por uma “loira” fresquinha. Fazemos um esforço sobre-humano para não perder a paciência. O que irá, inevitavelmente, acontecer de cada vez que ela, com o carrinho cheio de compras, abrandar a marcha à frente da Zara e da Mango e da Pull & Bear e da Springfield e do Gato Preto e… (não sei mais lojas)

Deixamo-la ficar para trás e chegamos sempre ao carro uns bons três minutos antes dela. Abrimos a mala e sentamo-nos no lugar do condutor a dizer mal da nossa sorte e a perguntar aos nossos botões a partir de quando ficámos tão mansos. Quando ela finalmente chega, o nosso primeiro pensamento não é, obviamente, “deixa-me lá ir deitar uma mão à rapariga”, mas “puta que pariu que estava a ver que nunca mais. Despacha-te mas é lá com essa porra que eu já perdi tempo demais nesta merda de supermercado e quero é ir ver a bola e beber uma cerveja ao café que já estou farto de te aturar!”

Como esta situação, com o tempo, acaba por ser nefasta para uma relação, sugiro que lhe ponham um ponto final – à situação, não à relação. Sejam francos com a vossa cara metade. Digam-lhe: “...'môr, ir às compras contigo é mais chato que um jogo do campeonato italiano. E, num dia de bola, para além de chato, é particularmente torturante. Por isso, se me prometeres que não me arrastas mais para supermercados aos domingos e às quartas-feiras europeias, eu prometo que nunca mais penso em dar-te dois tiros na mona e derreter o teu corpo com ácido na banheira e dizer aos teus pais que me abandonaste e fugiste com um tipo do circo porque eu não satisfazia o teu apetite voraz por sexo anal”!

Se isto não resultar… deixem a gaija.

posted by Raimundo @ quarta-feira, abril 12, 2006  
13 Obscenidades evitáveis:
  • At 12 abril, 2006 02:53, Anonymous Anónimo said…

    Muahahahhahaah, muito bom este post!
    Depois do emocionante final d'Um homem não chora (eu devo ser mariquinhas, porq a minha fasquia é bem mais baixa!), aqui temos Raimundo de volta ao arsénico.

    Animal, tens um erro neste post, tenta lá ver onde, neste cópi-peiste:
    "(...)Não ficamos muito chateados com isso porque tinha-mos escolhido “ao calhas”(...)"

     
  • At 12 abril, 2006 03:39, Blogger Raimundo said…

    Anotado e corrigido... E até te agradecia se o orgulho não me queimasse a alma.

     
  • At 12 abril, 2006 10:51, Blogger Decisões Criticas said…

    Amigo Raimundo.
    Eu não me referia à compra em si, apenas à colocação das mesmas na bagageira do automóvel. Sim porque na compra eu concordo contigo, mais vale irmos sozinhos, caso contrário são horas intermináveis de indecisões. Em relação ao jogo, este não foi no Domingo, mas sim na quarta-feira, dia de Barcelona-Benfica.
    Um forte abraço

     
  • At 12 abril, 2006 13:14, Blogger Woman Once a Bird said…

    Tem piada, eu juraria que quando ela pára para conversar com alguém, a primeira tendência do excelente acompanhante seria patrulhar a área com os olhos a fim de detectar as outras criaturas que por lá cirandam afanadamente. A ser uma actividade primordial para os elementos do sexo feminino, estarão lá de todas as formas e feitios. Mesmo à mão de semear. Assim, acho estranho alfguém preferir um antro cheio de testosterona do que um supermercado repleto de perfume...

     
  • At 12 abril, 2006 16:13, Blogger piadas de gato said…

    Sim senhor, bonita reflexão. Alguns apontamentos:

    1. ir ao supermercado não faz parte do programa de festas das senhoras donas de casa, pelo contrário, trata-se de uma actividade chata, fatigante e inevitável.

    2. aderi ao continente on-line, mas se fosse a tua cara metade, pouparia os 6 euros da entrega para os investir em cafés numa esplanada à beira mar, enquanto isso, acredito que serias capaz de fazer as compras em menos de um nada, com base numa apurada lista de mantimentos mensais ou semanais.

    3. Nos tempos em que ia ao supermercado, não fazia cara triste por virar costas às prateleiras e corredores; fazia cara triste por pensar na trabalheira que ainda tinha pela frente.

    4. E concordo, se o dia de comprar mercearia colide com um grande evento podemos sempre deixar para outro dia, ou para depois do evento; imagino que não tenhas problemas em passar no supermercado, depois do jogo, "em três tempos", para fazer as compras que te alimentam o bom espírito.

    Efim, muito obrigada pelo ânimo, estou fechada em casa a curar uma intoxicação alimentar e depois de ler o teu texto, fiquei com outro vigor.

     
  • At 13 abril, 2006 00:42, Blogger Raimundo said…

    Oli...
    é pá... tu levas as coisas demasiado a sério. Porra... já me conheces.

    Woman once a Bird (alguma coisa a ver com o Peter witkin?)...
    Em dia de futebol, não há peitinhos arrebitados nem rabinhos insinuosos que me prendam a atenção. Dia de futebol é dia de batalha. E nenhum homem troca a guerra por sexo. Se assim fosse, metade dos problemas do mundo talvez estivessem resolvidos.

    Piadas de gato...
    ...as melhoras. E ainda bem que o meu "post" serviu, efectivamente, para melhorar a saúde de alguém.
    E devo acrescentar ainda que você me parece, neste momento, a mulher perfeita - se for benfiquista dissipa-se a minha última reserva. E não estivesse já eu apalavrado com uma menina de muito boas famílias, e de muito mau feitio, até a convidaria para jantar. Mas, enfim, suponho que não se possa ter tudo...

     
  • At 13 abril, 2006 01:14, Blogger Woman Once a Bird said…

    Tudo a ver com a obra de Peter Witkin.

     
  • At 13 abril, 2006 10:02, Anonymous Anónimo said…

    LOL... lindo. eh k eh mesmo assim! Com a maior parte das mulheres pelo menos...

     
  • At 13 abril, 2006 11:31, Anonymous Anónimo said…

    Conclusões importantes que retiro deste post:
    - os homens preferem ir sózinhos às compras.
    - os homens deverão passar a fazer as compras necessárias ao agregado familiar, caso contrário recusam-se a participar em quaisquer actividades com elas (compras) relacionadas.
    - nos dias em que há futebol, não há compras, não há comida, nem qualquer outro tipo de actividade, o mundo pára "coladinho" ao televisor.
    - o Oli é um cavalheiro.

     
  • At 13 abril, 2006 13:32, Anonymous Anónimo said…

    Compreendo-te na perfeição companheiro. E deixo aqui o abraço solidário de quem padece do mesmo problema. Sem fazer qualquer conta nem citar qualquer estudo, estou em crer que a esmagadora maioria dos homens se queixará do mesmo. Mas parece que a esmagadora maioria das mulheres vive em negação no que toca a este particular.

    Mas deixa-me só acrescentar que, embora ir às compras com a rapariga seja um verdadeiro tormento, ir sózinho é trinta vezes pior. É que, sem ela, eu não sei o que comprar. Suponho que me alimentaria, todos os dias, de pizza, sandes mistas, ou daquelas refeições congeladas para o micro-ondas.

    Ainda assim, e em surdina, subscrevo tudo o que dizes.

     
  • At 25 abril, 2006 16:29, Blogger Unknown said…

    É interessante ver o ponto de vista nefasto de um homem que vai às compritas com a mulher.. é seca.. pois claro.. e para as mulheres não será também? Sabe bem é comer, encher a mula dos amigos em jantaradas intermináveis regadas de cervejolas Heineken ou outra qualquer.. rir de rotos, fazer concurso de peidos e outras coisas mais que nem lembram ao menino Jesus...
    Isso sim sabe bem..
    O que sabe bem é chegar e sentar à mesa... saber bem comer aquele lasanha de bolonhesa, uma vez que a vegetariana é de bradar aos bofes... e comer de manhã o leitinho do dia com os Corn Flakes favoritos.
    Vida de "gaija" é assim... mimar.. e receber em troca 90 minutos de futebol...

     
  • At 26 abril, 2006 00:44, Blogger Raimundo said…

    BB...

    ...mulher... não leve as coisas tão a sério. Se eu quisesse que me levassem a sério, não escreveria num blogue!

     
  • At 27 abril, 2006 11:49, Blogger Unknown said…

    ahahaha

    Tou pronta para casar...

    Já sei fazer um discurso de mulher zangada sem que percebam... que tou a curtir a cara de intimidado...

    (ou não....)

     
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