O meu amigo Oli está chateado com a falta de cavalheirismo que grassa como uma praga por este país. O rapaz, que é bom rapaz – com toda a inocência que isso pressupõe –, ficou escandalizado quando, no último domingo, num parque de estacionamento do Jumbo, assistiu à vulgar cena da mulher a transferir as compras do carrinho para o automóvel enquanto, confortavelmente sentado no banco do condutor, o marido coçava a micose sem lhe prestar o mínimo auxílio. Oli, Oli, Oli… tss, tss… Como tão bem fizeste notar, no último domingo foi dia de futebol – como o são, pelo menos, 34 domingos por ano e, se calhar, o homem não queria ir ao supermercado... queria ir à bola com os amigos. Mas a patroa tanto o chateou que o tipo não teve outro remédio. Depois, a mulher deve ter demorado duas horas para comprar a dúzia e meia de artigos do costume... e vocês sabem como são as mulheres – a maior parte, pelo menos – nos supermercados: Comparam preços, lêem os ingredientes, tiram, pousam, voltam a tirar, metem no carrinho, tiram do carrinho, arrependem-se e voltam a meter no carrinho, tornam a arrepender-se e voltam a tirar do carrinho. Hesitam entre a polpa de tomate clássica e a "com cebola e alho", inspeccionam todos os tipos de peixe, seguram em todas as embalagens de carne, tiram duas bananas do cacho e metem o resto numa saca. Pedem 200 gramas de fiambre "daquele… não, daquele… não, não, daquele mais atrás… esse, sim, obrigado", e outro tanto de queijo. Tiram as tampas de todos os amaciadores da roupa, cheiram-nos à vez e obrigam-nos a cheirá-los também – como se nós notássemos grandes diferenças e eles não cheirassem todos a sabão – antes de voltarem a levar o que haviam levado da última vez apesar de nós termos escolhido outro qualquer quando ela nos pediu a opinião. Não ficamos muito chateados com isso porque tínhamos escolhido “ao calhas” só para despachar a coisa, até porque já estávamos a prever que a cena se ia repetir, tal e qual, na prateleira dos desodorizantes e dos ambientadores. E, depois, com dois produtos que nos parecem ser absolutamente iguais, um em cada mão, bombardeiam-nos com aquelas perguntas clássicas: “que achas? Levamos este?... ou este?”, “Gostas mais da lasanha bolonhesa… ou com bechamel”, “da cobertura de chocolate?... ou de caramelo?”, “dos corn flakes?... ou dos choco crispies?”, “Coca-Cola ou Pepsi?”... Estas perguntas não se destinam a auscultar a nossa opinião. Não senhor. Se ela faz compras connosco no supermercado, é porque já nos conhece há tempo suficiente para saber o que gostamos ou deixamos de gostar. Na realidade, ela não quer saber a nossa opinião. Ela já sabe o que gostamos. Não precisa perguntar. Esta bateria de questões têm o objectivo único de tentar fazer de nós cúmplices de um ritual que ela adora e que sabe que nós detestamos. Ela quer furtar-se ao peso da culpa que carrega por saber que estamos MUITO aborrecidos, tentando, pela interactividade, puxar-nos bem para o centro da acção e dando-nos a sensação – falsa – de que também fazemos parte do processo de escolha e que, afinal, somos uma “equipa”, e que nos “estamos a divertir imenso a fazer compras”. Olha que não pega num pack de cerveja barata e num de Heineken e nos pergunta qual preferimos! Só queremos que o sofrimento acabe. E a hora do jogo aproxima-se vertiginosamente. E o carrinho ainda não está cheio. E… NÃÃÃÃÃÃÃOOO!... ela acaba de esbarrar com a prima de uma amiga de uma colega do escritório. É o pânico… elas vão passar minutos preciosos a falar de como vão as coisas, e o emprego, e os filhos, e as doenças que os pais de ambas tiveram desde a última vez que se viram no salão onde trabalha aquela cabeleireira anoréctica que as duas gostam muito e em quem o marido bate quando se droga. E nós ficamos ali, de pé, impacientes, a olhar para o relógio em desespero numa atitude em tudo idêntica à do companheiro da outra, com quem trocamos um olhar de simpatia: “Compreendo-te perfeitamente camarada, também eu queria ir ver o jogo”! Finalmente, o tormento termina e encaminhamo-nos para a caixa. E, nesta altura, reparem bem no seu olhar triste. É idêntico ao de uma criança no final da hora do recreio, ou quando sai de um carrossel sabendo que, naquele dia, não vai dar mais nenhuma volta. Deita um último olhar às filas de prateleiras e deixa escapar um suspiro de resignação. Por ela, passaria ali o resto do dia! Obviamente, por esta altura, já estamos para lá de furibundos. Até porque, olhamos para o que acabámos de adquirir e percebemos imediatamente que se tivéssemos ido sozinhos tínhamos comprado exactamente a mesma coisa e já teríamos ido embora há hora e meia atrás. E já estaríamos no estádio ou no café a ver o árbitro apitar para o início do desafio acompanhados por uma “loira” fresquinha. Fazemos um esforço sobre-humano para não perder a paciência. O que irá, inevitavelmente, acontecer de cada vez que ela, com o carrinho cheio de compras, abrandar a marcha à frente da Zara e da Mango e da Pull & Bear e da Springfield e do Gato Preto e… (não sei mais lojas) Deixamo-la ficar para trás e chegamos sempre ao carro uns bons três minutos antes dela. Abrimos a mala e sentamo-nos no lugar do condutor a dizer mal da nossa sorte e a perguntar aos nossos botões a partir de quando ficámos tão mansos. Quando ela finalmente chega, o nosso primeiro pensamento não é, obviamente, “deixa-me lá ir deitar uma mão à rapariga”, mas “puta que pariu que estava a ver que nunca mais. Despacha-te mas é lá com essa porra que eu já perdi tempo demais nesta merda de supermercado e quero é ir ver a bola e beber uma cerveja ao café que já estou farto de te aturar!” Como esta situação, com o tempo, acaba por ser nefasta para uma relação, sugiro que lhe ponham um ponto final – à situação, não à relação. Sejam francos com a vossa cara metade. Digam-lhe: “...'môr, ir às compras contigo é mais chato que um jogo do campeonato italiano. E, num dia de bola, para além de chato, é particularmente torturante. Por isso, se me prometeres que não me arrastas mais para supermercados aos domingos e às quartas-feiras europeias, eu prometo que nunca mais penso em dar-te dois tiros na mona e derreter o teu corpo com ácido na banheira e dizer aos teus pais que me abandonaste e fugiste com um tipo do circo porque eu não satisfazia o teu apetite voraz por sexo anal”! Se isto não resultar… deixem a gaija. |
Muahahahhahaah, muito bom este post!
Depois do emocionante final d'Um homem não chora (eu devo ser mariquinhas, porq a minha fasquia é bem mais baixa!), aqui temos Raimundo de volta ao arsénico.
Animal, tens um erro neste post, tenta lá ver onde, neste cópi-peiste:
"(...)Não ficamos muito chateados com isso porque tinha-mos escolhido “ao calhas”(...)"