sábado, dezembro 31, 2005
As passas… o raio das passas!...

Não há coisa mais patética que a imagem de um grupo de pessoas reunidas à volta de uma mesa às 23:59 do dia 31 de Dezembro de copo de espumante numa mão e doze passas na outra a contar os últimos 10 segundos do ano por ordem decrescente ao ritmo de um locutor de TV que, mais tarde ou mais cedo, há-de ser acusado de pedofilia.

Quer dizer… haver até há – basta lembrar que os sportinguistas ainda hoje se queixam do golo do Luisão na penúltima jornada da última época –, mas a abertura do texto funciona melhor se absolutizar a questão.

Enfim... E o mais ridículo disto tudo nem é o passar um minuto com aquela merda pegajosa nas mãos, é o facto de o pessoal entrar no ano seguinte a mastigar de boca cheia, com a saliva a sair pelos cantos da boca e a grainha a meter-se entre os dentes. É nojento.

Não faz sentido! É nojento e não faz sentido! Será que alguém está mesmo convencido, qualquer que seja o seu credo ou convicção, da relação directa entre o consumo das passas e a satisfação do desejo? Quer dizer… se não comer a passa o desejo já não se realiza? Aliás… já alguém viu cumprido o seu desejo de passagem de ano? E há alguma técnica para executar este ancestral ritual? Sei lá… tem que se comer uma a uma? Só se mete a seguinte à boca depois de engolir a anterior? Vai tudo de uma vez? Quê? Expliquem-me que isto ultrapassa-me. E já agora… a quantos desejos tem uma pessoa direito? Só um?... Doze?... E é mesmo muito grave se o pessoal se enganar a contar e só tiver onze passas? Ou treze? Será que pode comer uma mais tarde para compensar?... ou vomitá-la? E se não houver passas para toda a gente?... salgadinhos… pode ser com salgadinhos? Tem que ser mesmo com passas?... não pode ser com salgadinhos? E tem que ser mesmo à meia-noite? Não pode ser uns cinco minutos mais cedo que é para o pessoal poder celebrar em paz o momento exacto da passagem sem a pressão de ter que meter aquela bosta à boca? E não é suposto o pessoal cumprimentar a pessoa mais próxima logo que a contagem chega a zero? Como é que se pode dar um beijo com a boca cheia de passas? Eu sei que é possível… mas será que o queremos fazer?... ou melhor… será que queremos ser beijados por alguém com pedaços de uva seca a sair pelos cantos da boca?

É das tradições mais labregas à face da Terra… o que diz muito da nossa evolução enquanto seres culturais.

E depois há a questão dos desejos. Os primeiros dois são fáceis de adivinhar: seis milhões pedem mais um campeonato nacional para o Benfica. Os restantes quatro milhões pedem para o Benfica não ganhar nada. A seguir… todos pedem o Euromilhões! Depois costuma vir o carro desportivo, seguido de uma casa, e de uma cadeira vibratória. Lá para o fim, quando já não nos lembramos de mais nada vem o termo da guerra no Iraque e da fome em África – que é sempre um desejo oportuno quando se tem tanta comida na boca que mal se consegue respirar!

Este ano até há uma variação: “Uma passa pela Taça”… uma espécie de campanha de apoio místico à Selecção Nacional que disputa o Mundial de Futebol em Junho. Curiosamente o mote foi dado pela Galp. Uma gasolineira cujos responsáveis desejam com as doze passas que, por essa altura, já seja metade italiana, e que, no exacto momento em que pedem aos portugueses o sacrifício de abdicarem de um dos seus desejos em favor dessa causa, lhes está a aumentar os combustíveis e o gás em 3,5 por cento. É preciso ter uma lata…

Eu também vou festejar a entrada no novo ano. Mas sem pseudo-tradições rústicas alimentadas por produtores de uvas que não servem para vinho de jeito, sem desejos humildes ou megalómanos e, sobretudo, sem frutos secos. Mas talvez até celebre com umas passas…

posted by Raimundo @ sábado, dezembro 31, 2005  
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