sexta-feira, janeiro 06, 2006
Dia de Reis
Desde que me lembro de celebrar o Natal que me recordo de abominar o Dia de Reis. Perdi nas contas do tempo a razão de tal ódio, de modo que o meu sentimento em relação ao dia 6 de Janeiro passou a ser intuitivo. Já nem me lembrava do porquê… só sabia, cá dentro, que o detestava. Hoje dou por mim a pensar nisso novamente, e descubro o motivo da passiva animosidade. E não consigo conter um sorriso de escárnio auto-infligido no preciso momento em que resgato a recordação do baú das memórias.

Já me tinha esquecido. Como foi possível ter-me esquecido? O Dia de Reis marcava, na minha infância, o Fim do Natal. Acabava ali. Fim. Não havia mais rabanadas, nem doces, nem enfeites pela casa, nem luzes a piscar, nem tios e primos a entrar porta dentro com sacas de prendas por abrir e tabletes de chocolate suíço. Nessa noite o meu pai desfazia o presépio e voltava a embalar tudo: as bolas coloridas, as fitas de prata, as pequenas figuras, as 17 ovelhinhas de barro a quem eu tinha dado nomes únicos, o guarda do castelo parecido com o senhor Meireles que fazia a carreira da vila… todos iam para dentro da caixa que ficaria arrumada em cima do armário da sala até ao próximo Natal.

A magia acabava. No dia seguinte teria que voltar à escola, e aos trabalhos de casa, e à palmatória da professora Etelvina, e aos rufias ignorantes que jogavam bem à bola mas não sabiam escrever o próprio nome. O meu pesadelo estava prestes a recomeçar. E tudo porque era Dia de Reis!


– “Porque é que se diz Dia de Reis, mãe?”

– “Porque foi neste dia que os Três Reis Magos chegaram a Belém e entregaram as prendas ao Menino Jesus…”

– “…(suspiro)…”

– “Por que estás triste?”

– “Porque eles só deviam ter chegado em Fevereiro!...”


Desde que me lembro de celebrar o Natal que me recordo de odiar o Dia de Reis. Já nem me lembrava porquê. Simplesmente continuei, através da minha existência, a malquerer a data de forma inconsciente. Hoje lembrei-me da causa. E sorri para mim mesmo ao aperceber-me da sua inocência.

Já não celebro o Natal, pelo menos com a intensidade dos meus 10 anos, nem vou para a escola de manhã. Já não tenho medo de rufias ignorantes nem, tampouco, da palmatória da Dona Etelvina… pobre senhora. Não tenho, portanto, motivo algum para continuar a insistir neste rancor irracional ao Dia de Reis. E devia acabar com isto e encarar o dia com a mesma normalidade que adentro os restantes. Essa seria a decisão correcta a tomar. A única decisão a tomar, aliás!... Mas não o vou fazer! Por respeito à memória da minha própria ingenuidade, vou continuar a odiá-lo! Com todas as forças de que puder dispôr! Como se amanhã fosse inevitável... o recomeço do meu pesadelo!

posted by Raimundo @ sexta-feira, janeiro 06, 2006  
4 Obscenidades evitáveis:
  • At 06 janeiro, 2006 10:00, Blogger Luis Beirão said…

    Sim senhor, ó transmontano das dúzias! Belo estaminé que tens aqui montado! Dou-te os meu parabéns, acho que este registo está feito à tua medida e estás a sair-te muito bem. Quando quiseres ver a minha barraca vai a http://pinhobravo.blog-city.com. Como é óbvio, apesar de tudo, não chega aos calcanhares deste "Mundo do Raimundo". Adorei a história do Skipy...

     
  • At 06 janeiro, 2006 10:02, Blogger Luis Beirão said…

    Só mais uma coisa: está mais do que na hora de acabares com esses traumas relacionados coms as tuas professoras da juventude: depois deste tempo todo vejo que ainda não esqueceste a dona Etelvina, e aposto que o mesmo em relação à tua professora de português do Secundário...eheh

     
  • At 09 janeiro, 2006 12:01, Anonymous Anónimo said…

    caro Raimundo, não vou contra argumentar a importância do meu nome nem recorrer à mitologia para te recordar da imponência da sua imagem de guerreira... (até porque gera muita controvérsia, mas é uma escultura linda)
    prefiro concordar que as recordações de infância nos marcam para sempre! eu não tenho problemas com o Dia de Reis, mas se há coisa que me agrada bastante é reconhecer o cheiro das papás que a minha avó fazia pela manhã! Um odor saboroso que me fazia largar os cobertores quentinhos, em dias de Inverno rigoroso, e correr para a cozinha! Uma situação que já não se repetia há muitos anos, mas que a minha mãe me deu o prazer de recordar neste Natal! E foi uma memória deliciosa!

     
  • At 18 agosto, 2010 00:51, Anonymous Anónimo said…

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