Desde que me lembro de celebrar o Natal que me recordo de abominar o Dia de Reis. Perdi nas contas do tempo a razão de tal ódio, de modo que o meu sentimento em relação ao dia 6 de Janeiro passou a ser intuitivo. Já nem me lembrava do porquê… só sabia, cá dentro, que o detestava. Hoje dou por mim a pensar nisso novamente, e descubro o motivo da passiva animosidade. E não consigo conter um sorriso de escárnio auto-infligido no preciso momento em que resgato a recordação do baú das memórias. Já me tinha esquecido. Como foi possível ter-me esquecido? O Dia de Reis marcava, na minha infância, o Fim do Natal. Acabava ali. Fim. Não havia mais rabanadas, nem doces, nem enfeites pela casa, nem luzes a piscar, nem tios e primos a entrar porta dentro com sacas de prendas por abrir e tabletes de chocolate suíço. Nessa noite o meu pai desfazia o presépio e voltava a embalar tudo: as bolas coloridas, as fitas de prata, as pequenas figuras, as 17 ovelhinhas de barro a quem eu tinha dado nomes únicos, o guarda do castelo parecido com o senhor Meireles que fazia a carreira da vila… todos iam para dentro da caixa que ficaria arrumada em cima do armário da sala até ao próximo Natal. A magia acabava. No dia seguinte teria que voltar à escola, e aos trabalhos de casa, e à palmatória da professora Etelvina, e aos rufias ignorantes que jogavam bem à bola mas não sabiam escrever o próprio nome. O meu pesadelo estava prestes a recomeçar. E tudo porque era Dia de Reis!
– “Porque é que se diz Dia de Reis, mãe?” – “Porque foi neste dia que os Três Reis Magos chegaram a Belém e entregaram as prendas ao Menino Jesus…” – “…(suspiro)…” – “Por que estás triste?” – “Porque eles só deviam ter chegado em Fevereiro!...”
Desde que me lembro de celebrar o Natal que me recordo de odiar o Dia de Reis. Já nem me lembrava porquê. Simplesmente continuei, através da minha existência, a malquerer a data de forma inconsciente. Hoje lembrei-me da causa. E sorri para mim mesmo ao aperceber-me da sua inocência. Já não celebro o Natal, pelo menos com a intensidade dos meus 10 anos, nem vou para a escola de manhã. Já não tenho medo de rufias ignorantes nem, tampouco, da palmatória da Dona Etelvina… pobre senhora. Não tenho, portanto, motivo algum para continuar a insistir neste rancor irracional ao Dia de Reis. E devia acabar com isto e encarar o dia com a mesma normalidade que adentro os restantes. Essa seria a decisão correcta a tomar. A única decisão a tomar, aliás!... Mas não o vou fazer! Por respeito à memória da minha própria ingenuidade, vou continuar a odiá-lo! Com todas as forças de que puder dispôr! Como se amanhã fosse inevitável... o recomeço do meu pesadelo! |
Sim senhor, ó transmontano das dúzias! Belo estaminé que tens aqui montado! Dou-te os meu parabéns, acho que este registo está feito à tua medida e estás a sair-te muito bem. Quando quiseres ver a minha barraca vai a http://pinhobravo.blog-city.com. Como é óbvio, apesar de tudo, não chega aos calcanhares deste "Mundo do Raimundo". Adorei a história do Skipy...