Há coisas tão incrivelmente estúpidas e previsivelmente inúteis que jamais deveriam ser tentadas. Há experiências cujo resultado, sabemo-lo de antemão, não interessa a ninguém. Não fará de nós melhores pessoas. Não contribuirá, de forma alguma, para o alargamento dos limites do conhecimento humano. Não nos proporcionará, sequer, um prazer imediato que não aquele de sabermos que, provavelmente e pelas mais variadas razões, não deveríamos estar a fazer aquilo. Há coisas tão incrivelmente estúpidas e previsivelmente inúteis que jamais deveriam ser tentadas. E é exactamente por esse mesmo motivo que não conseguimos evitar fazê-las. Aliás, é essa dose de Incrível Estupidez o principal ingrediente da nossa adolescência. Para o bem ou para o mal, a história de cada um está cravejada de episódios estupidamente gloriosos. Quase todos passados entre os 13 e os 20 anos. Quase todos perigosos. Quase todos imorais. Quase todos ilegais. Quase todos incrivelmente maravilhosos. Quem nunca roubou um chocolate no Modelo só pela adrenalina? Quem nunca palmou uma Gina no quiosque do Pelourinho enquanto o senhor se virava de costas para fazer o troco da caixa de Chiclets que acabávamos de comprar com 500 escudos? Quem nunca levou uma garrafa de Whisky do pai para beber com os amigos no liceu entre uns jogos de lerpa a dinheiro nos intervalos das aulas? Quem nunca entrou num concurso para ver quem apalpava mais miúdas nos corredores da escola, ou quem bebia uma lata de Coca-Cola de um só trago ou mais cervejas consecutivas? Quem nunca tentou meter na boca vários pacotes de Super-Gorila?... …Para quê?... Por que não? Até há uns dias atrás achava eu que os adolescentes detinham o monopólio da Incrível Estupidez. Engano meu. Embebido de uma euforia revivalista motivada pela presença de um dos meus mais antigos amigos e companheiro de armas em momentos incrivelmente estúpidos, eis que me vejo, de novo, envolvido em mais uma dessas experiências destinadas a acabar em trauma físico e/ou psicológico. O Benfica acabava de vencer o Liverpool e, como tal, impunha-se uma celebração. Com álcool. Como é óbvio. Ora, aqui é que se levantou o problema. Estávamos em casa e não havia cerveja. Não havia whisky. Não havia brandy. Não havia nada. Nem uma gota de álcool. Nem pinga… …Bom…quer dizer… há ali quatro caixas de Mon Cherry desde o Natal… e os mon cherries… quer dizer… têm álcool não é?… Podemos tentar apanhar uma bezana com mon cherries!... … “Apanhar uma bezana com mon cherries!...” E nem precisámos de um segundo para pensar. Os nossos olhos brilharam na direcção das quatro caixas rosa-choque empilhadas dentro do armário das bebidas. “Apanhar uma bezana com mon cherries!...” Era tão incrivelmente estúpido que tinha que ser tentado. Numa hora devorámos, a meias, as quatro caixas. Primeiro ainda começámos com a técnica de roer um cantinho, sugar o licor e pôr o chocolate de lado. Mas depois achámos que era um desperdício de tempo e de chocolate e vai de emborcar tudo. Quarenta bom-bons numa hora… duas caixas… Com o objectivo último de tentar ficar bêbado… Não importava se era ou não possível. Importante era tentar! E nestas coisas o que conta é a intenção… Como é óbvio – para mim, agora, também – duas caixas de mon cherries não deixam bêbado ninguém (pelo menos com uma constituição física normal). Podem comer à vontade que ainda conseguem fazer o “4”, andar em linha recta, dizer “iparipapígrafo” sem gaguejar, manobrar maquinaria pesada e perceber que o Beto é a maior das nódoas do plantel do Benfica… O que já não vos garanto, é que não andem o dia seguinte a correr para a casa de banho de dez em dez minutos com diarreia provocada pelo excesso de chocolate e de cerejas cristalizadas. Se não estou arrependido?... Hoje já não! Se repetiria a experiência agora que sei o resultado?... Isso seria muito estúpido… não acham? Ah!... só mais uma coisa… EMBRULHEM seus adolescentes borbulhentos e espinhosos com as vossas competições de mijar mais longe e ejacular mais alto e/ou mais vezes consecutivas... A estupidez deixou ser exclusivo vosso! |
Infelizmente, a Incrível Estupidez não é, nem nunca foi, exclusividade da adolescência. Afinal, foram homens adultos, pelo menos na aparência, que desenharam, construiram e lançaram a bomba atómica... curiosamente, são agora os grandes moralistas dos programas nucleares. Mas isso é outra história.