Recebi ao longo da última semana alguns pedidos para escrever qualquer coisa sobre as eleições presidenciais do próximo domingo. Que já tinha feito d'O Cavaco e que devia fazer também dos outros. Porque assim dava a impressão que só o dito se candidatava e que ainda há mais quatro candidatos que mereciam o mesmo destaque.
Ora bem. Convém esclarecer aqui umas coisinhas. Em primeiro lugar, o orgulho – que o meu psiquiatra teimava em apelidar de arrogância e complexo de superioridade antes de, tragicamente, se ter suicidado com 28 facadas nas costas enquanto dormia – impede-me de aceitar sugestões. Em segundo lugar, como escrevi algures num post anterior, eu não poderia ser mais indiferente em relação às eleições que se aproximam... Ou às futuras... Ou às anteriores.
Não se tome esta minha posição como uma ausência de consciência política. É, aliás, a minha consciência política que promove o desprezo que sinto, não pelo acto eleitoral em si, mas pela democracia, tal como a interpretamos, e pelos vícios que ela proporciona. Não me interpretem mal. Eu acredito num sistema representativo dos vários interesses da população: um líder eleito por maioria, e vários representantes (deputados) dos interesses minoritários. O que eu não acredito é que os interesses da maioria da população estejam, tenham sido, ou venham a ser bem representados. Isto porque, a maioria da população portuguesa não está, nunca esteve, nem há perspectivas de vir a estar preparada para esta responsabilidade.
Deixem ver se vos consigo explicar isto melhor. Perguntem a vocês mesmos quem é que vai eleger o próximo Presidente da República, o próximo primeiro-ministro, o próximo presidente de câmara ou de junta de freguesia. Quem é a maioria? Esta é a pergunta fulcral: Quem é a maioria em Portugal?
Deixem-me ajudar-vos. A maioria em Portugal não tem mais que a escolaridade obrigatória. A maioria em Portugal vê tele-novelas da TVI, o Big Brother, a Quinta das Celebridades e a 1ª Companhia. Adora os Malucos do Riso. A maioria em Portugal não lê livros, nem jornais, nem vê documentários, mas arranja tempo para “devorar” avidamente a Caras e a Nova Gente e a Maria e a Lux. A maioria em Portugal não sabe o ano da formação do País, nem se importa que o seu fundador tenha sido um cabrãozinho de merda com a mania das grandezas que bateu na própria mãe e traiu os amigos mais leais. A maioria em Portugal considera que os Descobrimentos foram um período dourado da nossa história, e não sabe, nem quer saber, que para trazer as riquezas do ultramar os seus antepassados roubaram, estropiaram e massacraram milhões de pessoas, aniquilado culturas. Nem se perguntam, sequer, para onde foi todo o dinheiro que renderam as expedições. A maioria em Portugal acha que Luís de Camões morreu algures na década de 80 século passado. Ouviu falar em José Saramago e acha que deve ser um escritor, mas não sabe o nome de uma obra sua. A maioria em Portugal acha que a Madeira é uma ilha do Arquipélago dos Açores. A maioria em Portugal conduz acima do limite de velocidade e com mais álcool no sangue do que o permitido. A maioria deve dinheiro ao banco e não sabe fazer a gestão do orçamento familiar porque chumbou a matemática. A maioria em Portugal não separa o lixo, cospe para o chão, fuma em recintos fechados, não desliga os dois telemóveis no cinema, estaciona em segunda fila. A maioria em Portugal é de três clubes de futebol, e acha que a sua equipa é sempre roubada, ainda que vença por 7-0. Aliás… a maioria em Portugal olha para as eleições como se de um jogo de futebol se tratasse. Não votam nas políticas ou na pessoa que pensam ser mais competente. Votam numa cor e esperam que o seu representante seja, apenas, mais competente que o anterior do outro partido. Tal nunca sucede e, então, nas próximas eleições, a maioria em Portugal vota no adversário, não pelo seu programa ou por aparentar mais confiança que o anterior, mas só e apenas por vingança.
Resumindo. A maioria em Portugal padece de ignorância e nem se apercebe que essa mesma ignorância é patrocinada pelos próprios políticos que elege. É um círculo vicioso. Os políticos habituais aproveitam-se dessa ignorância, que radica numa educação deficiente e evolui para uma falta de expectativas, para se sucederem no poder, mantendo o povo ignorante e limitando a sua ambição através de um sistema educativo que não ofereça demasiadas perspectivas, pontos-de-vista ou oportunidades para pensar de forma diferente. E basta ver o que sucedeu na Educação depois do 25 de Abril e quantos partidos políticos já ocuparam as cadeiras do poder.
Na verdade, PS ou PSD, Cavaco ou Soares, esquerda-centro ou centro-direita, é tudo, exactamente, a mesma coisa, apenas a embalagem muda. É como tentar distinguir a Coca-Cola de garrafa de vidro da de lata de alumínio. O produto é o mesmo, mas há pessoal que jura que uma é melhor que a outra.
A Maioria em Portugal não é esclarecida. Sofre de desconhecimento de causa profundo e, portanto, não é competente para decidir o que é melhor para o seu próprio futuro. Mas é a esta maioria que as campanhas, com todo o seu marketing de autocolantes e isqueiros e aventais de plástico, se destinam. De tal modo que os verdadeiros problemas, levantados pelas minorias que pensam pela própria cabeça, nem sequer são aflorados nos comícios pré-eleitorais.
Eu não vejo justiça nem honestidade num sistema assim. E recuso-me a fazer parte desta fantochada.
Comentário e proposta de Roberto Moreno
- Comungo com o que o Brecht narra sobre “O Analfabeto Político” e proponho que se faça uma peça de Teatro com o referido tema, em homenagem ao mesmo, ressuscitando-o, em Portugal.
O Analfabeto Político - O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais. - Bertolt Brecht
Para maiores informações, entrar em contacto com Roberto Moreno - 966 054 441 - geo@geolingua.org