1985 - Véspera de Carnaval - Então de que queres ir mascarado amanhã? - Pergunta-me ela.
- De Conan! - Respondo.
- Quem é o Conan?
- É um bárbaro!
- Um bárbaro?
- Sim, mãe… vi no café do Toninho… no vídeo.
- Tu sabes o que é um bárbaro?
- É um homem que usa uma espada grande e tem muitos músculos e é muito forte e vai ser rei e todos pensam que ele é mau porque faz coisas más, mas ele é o bom. Deita-me um olhar condescendente, ri-se e desgrenha-me o cabelo com a palma da mão. - Já te disse que não te quero no café do Toninho!
- Quero ir de Conan!... Posso ir de Conan?
- Já disseste ao teu pai?
- Já. E o pai disse que me fazia a espada…
- Não queres ir antes de xerife? Já tens as pistolas e a estrela de xerife…
- Não! Quero ir de Conan! O Conan mata cobras gigantes!
- Cobras gigantes?… Eia.
- Sim… e feiticeiros maus que matam a namorada dele! Eu quero ser um bárbaro!
- Mais ainda? - Ela volta a rir-se…- Está bem então. De que precisas para o teu disfarce de… Conan?
- De um capacete com cornos. E da espada. Mas o pai já disse que me fazia uma.
- E então o Conan anda de espada e de calças de bombazina e camisola de lã?
- Não. O Conan não usa quase roupa nenhuma? Ela pára e olha para mim desconfiada.
- Repete lá…
- O Conan só usa umas cuecas grandes feitas de pele de urso…
- E o que é que o Conan usa no Inverno?
- Só usa isso. O Conan é o homem mais forte do mundo e não tem frio. Ele anda assim na neve e tudo…
- Ó filho… não penses que vais sair à rua, com um frio destes, em cuecas…
- Mas eu quero ir de Conan…
- Fazemos assim: eu arranjo umas calças e um casaco velhos, pões as galochas e o gorro e podes ir de Conan!...
- Mas o Conan não usa roupa que é para se ver os músculos…
- Ou é assim ou vais de xerife…
Dia de Carnaval – na escola - Raimundo?!! - grita a Dona Etelvina. A turma toda, sentada nas carteiras, com os seus disfarces medíocres, volta a cabeça na direcção da porta de entrada. - Porque estás sem roupa? - Porque sou o Conan. Solta-se a gargalhada geral e a professora de meia-idade olha para mim aterrorizada antes de agarrar o casaco de lã azul que tinha pendurado nas costas da cadeira e correr na minha direcção para mo deitar sobre as costas. - A tua mãe deixou-te sair de casa assim, nessa figura? Só de cuecas e galochas? Com este frio? - Não. - Então, onde está a tua roupa? - Na pasta. - Como é que a tua roupa foi parar à pasta. - Tirei-a no caminho. - Porquê? - Porque o Conan não usa roupa. - Quem é o Conan? - É o homem mais forte do mundo. - O homem mais forte do mundo é o Super-Homem! – intromete-se o Serginho. O Serginho é o miúdo mais irritante da terceira classe e é filho do senhor Manel que é o homem mais rico da aldeia. Tão rico que até comprou lhe comprou um fato de Super-Homem na vila. - O homem mais forte do mundo é o Conan! – respondo. - Não é nada. É o Super-Homem! - É o Conan!... - É o Super-Homem. - Meninos!... – berra a professora de mãos na cabeça. - É o Conan. O Conan mata cobras gigantes e outros monstros! - O Super-Homem levanta carros e comboios. - O Conan mata feiticeiros maus e pode com pedras muito grandes e consegue subir torres muito altas. - O Super-Homem não precisa de subir porque consegue voar. - Serginho, cala-te. Raimundo, veste a roupa, por amor de Deus! - O Conan conseguia matar o Super-Homem!... - Não conseguia nada. Ninguém consegue matar o Super-Homem porque ele é indestrutível e não pode morrer. O Super-Homem é que conseguia matar o Conan porque o Conan é só um homem e pode morrer como os outros… Há coisas que não se devem dizer a um fã do Conan com nove anos. Sobretudo se tem um pau na mão. Sem mais argumentos para contrapor, a única coisa que me ocorreu para provar o meu ponto de vista foi a mais óbvia. De repente estou a brandir a minha espada da Atlântida - versão de madeira - no ar e a desferir um belo golpe de cima para baixo mesmo em cheio no topo da cabeça do rapaz. Ele não estava à espera. Não se protegeu. Só deitou as mãos à cabeça depois da pancada. Cerrou os olhos. Começou a ficar vermelho. Depois roxo. E os seus lábios começaram a retorcer e a ficar brancos. E um fio de sangue principiou a descer a testa rumo ao nariz. Ficou assim uns instantes. Parado. Sem respirar. Depois arregalou os olhos e a boca. Inspirou o ar tão rápido que da sua garganta saiu um som monstruoso igual ao dos vilões dos filmes quando estão a morrer. Mas não morreu. Caiu nos braços da Dona Etelvina e desatou a chorar como um desalmado. A professora entrou em pânico. Gritou pela Dona Margarida, que era contínua da escola. A mulher apareceu com uma caixa cheia de água oxigenada e gaze e adesivo. E depois veio o senhor Alberto que tem uma carpintaria do outro lado da estrada em frente à escola e levou-o na carrinha para o hospital.
"Indestrutível o raio que o parta", pensei. "Não há super-homem que resista ao poder de Conan e da sua Espada da Atlântida"!... To be continued...
Por imperativo de espaço, e porque o pessoal se está sempre a queixar do tamanho dos posts, o resto da história segue amanhã. À mesma hora, no mesmo blog, num computador perto de si.
|
Vamos lá a dizer as coisas bem, Raimundo. A espada do Conan não é da Atlântida, mas sim feita a partir de metal das estrelas!