domingo, fevereiro 26, 2006
"Mãe… matei o Super-Homem!" - Carnaval de 1985 (Parte I)

1985 - Véspera de Carnaval

- Então de que queres ir mascarado amanhã? - Pergunta-me ela.

- De Conan! - Respondo.

- Quem é o Conan?

- É um bárbaro!

- Um bárbaro?

- Sim, mãe… vi no café do Toninho… no vídeo.

- Tu sabes o que é um bárbaro?

- É um homem que usa uma espada grande e tem muitos músculos e é muito forte e vai ser rei e todos pensam que ele é mau porque faz coisas más, mas ele é o bom.

Deita-me um olhar condescendente, ri-se e desgrenha-me o cabelo com a palma da mão.

- Já te disse que não te quero no café do Toninho!

- Quero ir de Conan!... Posso ir de Conan?

- Já disseste ao teu pai?

- Já. E o pai disse que me fazia a espada…

- Não queres ir antes de xerife? Já tens as pistolas e a estrela de xerife…

- Não! Quero ir de Conan! O Conan mata cobras gigantes!

- Cobras gigantes?… Eia.

- Sim… e feiticeiros maus que matam a namorada dele! Eu quero ser um bárbaro!

- Mais ainda? - Ela volta a rir-se…- Está bem então. De que precisas para o teu disfarce de… Conan?

- De um capacete com cornos. E da espada. Mas o pai já disse que me fazia uma.

- E então o Conan anda de espada e de calças de bombazina e camisola de lã?

- Não. O Conan não usa quase roupa nenhuma?

Ela pára e olha para mim desconfiada.

- Repete lá…

- O Conan só usa umas cuecas grandes feitas de pele de urso…

- E o que é que o Conan usa no Inverno?

- Só usa isso. O Conan é o homem mais forte do mundo e não tem frio. Ele anda assim na neve e tudo…

- Ó filho… não penses que vais sair à rua, com um frio destes, em cuecas…

- Mas eu quero ir de Conan…

- Fazemos assim: eu arranjo umas calças e um casaco velhos, pões as galochas e o gorro e podes ir de Conan!...

- Mas o Conan não usa roupa que é para se ver os músculos…

- Ou é assim ou vais de xerife…


Dia de Carnaval – na escola

- Raimundo?!! - grita a Dona Etelvina.

A turma toda, sentada nas carteiras, com os seus disfarces medíocres, volta a cabeça na direcção da porta de entrada.

- Porque estás sem roupa?

- Porque sou o Conan.

Solta-se a gargalhada geral e a professora de meia-idade olha para mim aterrorizada antes de agarrar o casaco de lã azul que tinha pendurado nas costas da cadeira e correr na minha direcção para mo deitar sobre as costas.

- A tua mãe deixou-te sair de casa assim, nessa figura? Só de cuecas e galochas? Com este frio?

- Não.

- Então, onde está a tua roupa?

- Na pasta.

- Como é que a tua roupa foi parar à pasta.

- Tirei-a no caminho.

- Porquê?

- Porque o Conan não usa roupa.

- Quem é o Conan?

- É o homem mais forte do mundo.

- O homem mais forte do mundo é o Super-Homem! – intromete-se o Serginho. O Serginho é o miúdo mais irritante da terceira classe e é filho do senhor Manel que é o homem mais rico da aldeia. Tão rico que até comprou lhe comprou um fato de Super-Homem na vila.

- O homem mais forte do mundo é o Conan! – respondo.

- Não é nada. É o Super-Homem!

- É o Conan!...

- É o Super-Homem.

- Meninos!... – berra a professora de mãos na cabeça.

- É o Conan. O Conan mata cobras gigantes e outros monstros!

- O Super-Homem levanta carros e comboios.

- O Conan mata feiticeiros maus e pode com pedras muito grandes e consegue subir torres muito altas.

- O Super-Homem não precisa de subir porque consegue voar.

- Serginho, cala-te. Raimundo, veste a roupa, por amor de Deus!

- O Conan conseguia matar o Super-Homem!...

- Não conseguia nada. Ninguém consegue matar o Super-Homem porque ele é indestrutível e não pode morrer. O Super-Homem é que conseguia matar o Conan porque o Conan é só um homem e pode morrer como os outros…

Há coisas que não se devem dizer a um fã do Conan com nove anos. Sobretudo se tem um pau na mão. Sem mais argumentos para contrapor, a única coisa que me ocorreu para provar o meu ponto de vista foi a mais óbvia. De repente estou a brandir a minha espada da Atlântida - versão de madeira - no ar e a desferir um belo golpe de cima para baixo mesmo em cheio no topo da cabeça do rapaz. Ele não estava à espera. Não se protegeu. Só deitou as mãos à cabeça depois da pancada. Cerrou os olhos. Começou a ficar vermelho. Depois roxo. E os seus lábios começaram a retorcer e a ficar brancos. E um fio de sangue principiou a descer a testa rumo ao nariz.

Ficou assim uns instantes. Parado. Sem respirar. Depois arregalou os olhos e a boca. Inspirou o ar tão rápido que da sua garganta saiu um som monstruoso igual ao dos vilões dos filmes quando estão a morrer. Mas não morreu. Caiu nos braços da Dona Etelvina e desatou a chorar como um desalmado. A professora entrou em pânico. Gritou pela Dona Margarida, que era contínua da escola. A mulher apareceu com uma caixa cheia de água oxigenada e gaze e adesivo. E depois veio o senhor Alberto que tem uma carpintaria do outro lado da estrada em frente à escola e levou-o na carrinha para o hospital.

"Indestrutível o raio que o parta", pensei. "Não há super-homem que resista ao poder de Conan e da sua Espada da Atlântida"!...


To be continued...


Por imperativo de espaço, e porque o pessoal se está sempre a queixar do tamanho dos posts, o resto da história segue amanhã. À mesma hora, no mesmo blog, num computador perto de si.

posted by Raimundo @ domingo, fevereiro 26, 2006  
3 Obscenidades evitáveis:
  • At 26 fevereiro, 2006 15:02, Anonymous Anónimo said…

    Vamos lá a dizer as coisas bem, Raimundo. A espada do Conan não é da Atlântida, mas sim feita a partir de metal das estrelas!

     
  • At 26 fevereiro, 2006 16:27, Blogger Raimundo said…

    Meu amigo Celso... Tu estás a falar do Conan da Banda Desenhada. Eu estou a falar do Conan do filme, que encontra a espada da Atlântida na mão de um rei morto numa espécie de túmulo no meio do deserto!

     
  • At 02 fevereiro, 2010 12:50, Anonymous Anónimo said…

    Sensacional!!!!
    Aqui no BRASIL temos vários pequenos CONANS. E certamente prontos para destruir os SUPER-HOMENS de araque.

    Abraços,

     
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