Estive para inventar uma daquelas desculpas rebuscadas do estilo: “fui raptado por seres de outro planeta que me levaram para a sua nave mãe por ser um espécimen perfeito da raça humana e só agora, mais de um mês depois da última entrada neste blog, fui libertado”. Mas depois lembrei-me que normalmente essas criaturas realizam experiências traumatizantes como enfiar sondas com formatos fálicos nos orifícios corporais das cobaias e mudei de ideias. Não por que me causasse qualquer tipo de desconforto o facto de vocês ficarem a imaginar que a integridade do meu corpo tinha sido profanada, mas tão só porque me apercebi que aqueles que me conhecem poderiam pensar que depois de uma experiência dessas talvez eu tivesse entrado em contacto com o meu lado sensível. É que, ainda que conseguisse tolerar a ideia de todos vocês acharem que eu tinha sido violentado repetidamente por instrumentos de uma tecnologia alienígena, já não conseguiria suportar os meus amigos a pedirem-me dicas para decorar a casa. Por isso, após muita consideração, e para evitar qualquer tipo de complicação posterior, resolvi contar-vos a verdade. E a verdade verdadinha é que este blog não foi actualizado por pura, simples e crónica preguiça. Uma preguiça, contudo, justificada – se é que as justificações de um preguiçoso para a própria preguiça podem ser levadas em consideração. Então foi assim que as coisas se passaram: Como puderam ler no post anterior, eu decidi não ler jornais – nem ver serviços noticiosos audiovisuais – enquanto não terminasse o Campeonato Mundial da Bola. Ora, sem ler a imprensa nacional e sem ver o telejornal da TVI um blogger escatológico fica sem matéria-prima para se alimentar e, posteriormente, regurgitar no computador para deleite dos ciber-leitores que gostam da papinha toda feita e condimentada. “Mas o Mundial foi só prá’í até 9 de Julho pá! Que andaste a fazer até ao dia 1 de Agosto?” perguntam os mais chatos de entre vós. Pois pá – respondo eu – mas entretanto estive atolado em trabalho – que deixei por fazer enquanto me escapava do escritório para ver os jogos do Mundial – até às orelhas durante mais uma semana. “É pá… mas e o que andaste a fazer nas restantes duas semanas?”, continuam esses tipos impertinentes. Bem – respondo-lhes novamente embora ninguém tenha nada a ver com isso – é que, entretanto, entrei de férias. E como já passo um ano inteiro em frente a um computador a escrever todo o tipo de merda possível e imaginária – sobretudo imaginária – o primeiro dia de descanso trouxe com ele uma certa aversão ao aparelho. Aliás, este início de mês sabático trouxe com ele uma aversão a tudo o que dá o mínimo de trabalho intelectual. Continuo sem ler jornais e sem ver ou ouvir noticiários. Não sei o que se passa no mundo, no país, nem sequer na minha cidade. Não sei às quantas anda a política, a economia e… imagine-se… o futebol – eu, que não perco uma pré-temporada do Benfica. Vocês devem pensar que eu estou a reinar. Não estou. Têm sido assim nas duas últimas semanas. Estou completamente isolado. E sabem que mais? Há muito tempo que não me sentia tão feliz – ignorance is bliss… indeed!... As minhas fontes de informação estão limitadas às discussões dos dois velhotes que, após o almoço, se sentam na mesa ao lado da minha para tomar café no centro social aqui do bairro. Pelos vistos Israel está a bombardear o Líbano, morreu mais alguém no sudeste asiático com a gripe das aves, o meu querido Freitas demitiu-se da pasta dos Negócios Estrangeiros e, pior, o Simão não foi apresentado no Benfica porque ia para o Valência e depois já não foi e agora parece que ninguém sabe o que fazer com ele apesar de o Veiga e o Vieira estarem tentados a ficar com o rapaz e a abrir mão de não-se-quantos milhões de euros para fazerem os adeptos esquecerem uma suposta humilhante derrota com o Sporting. Uff! Ainda bem que não acompanho nada disto. Porque, porra… ver uma derrota do Glorioso às mãos dos lagartos ainda antes do início do campeonato era uma imagem que me atormentaria para o resto das férias. Como é que eu passo o tempo? Bem… em reverência constante à preguiça. Todos os dias me levanto às tantas da tarde, olho de soslaio para um livro do Saramago que me emprestaram pousado em cima da mesinha de cabeceira e prometo a mim mesmo que começarei a lê-lo nessa noite, preparo uns cereais, vou tomar um café ao tal centro social do bairro, regresso a casa, sento-me em frente a TV e vejo o House na Fox e os CSI’s de todo o lado no AXN. E quando acaba a programação decente encomendo uma pizza, ligo a Playstation, de onde há duas semanas não sai o CD do “Battlefield 2”, e fico a jogar ininterruptamente até me doerem os olhos ou já estar com sono – dois estados que servem como desculpa perfeita para não começar a ler o tal livro do Saramago. O jogo, que como o próprio nome indica é de guerra, é absolutamente catártico. Basicamente, dão-nos 30 armas diferentes para matar uns soldadinhos digitais estuporados que são burros como portas – mas, ainda assim, mais inteligentes que alguns dos nossos governantes – e que vêm direitinhos e em fila na direcção da nossa metralhadora. Caem como tordos os desgraçados, mas continuam a vir como se instigados pelo próprio Kruschev. Idiotas. Bem, por outro lado é, de certo modo, reconfortante que a Inteligência Artificial não dê para mais. Mas o mais cool disto é entrar na pele de um atirador furtivo. Movermo-nos discreta e silenciosamente longe do centro da acção. Abrir a mira telescópica ao máximo e olhar os olhinhos digitalizados da nossa presa que nem sonha que vai ser a vítima de mais um bem sucedido headshot. É mais complicado do que parece, porque temos que ter em conta a distância em relação ao alvo e a força e direcção do vento. Mas com um bocadinho de prática acabam todos por se tornar em mais uma marca na coronha da carabina. E depois não me consigo cansar de ouvir o murmúrio de desprezo triunfante do nosso personagem: “I’m in your house now”… o “motherfucker” acrescento eu. E quando estou mesmo com a pica para a coisa, quando já os tenho em mira, grito-lhes do conforto do meu sofá antes de disparar: “Who’s my bitch?”. Está bem! Está Bem!... não são umas férias de sonho. Mas poderiam ser piores. Se eu tivesse acompanhado a pré-época do Benfica ou começado a ler o livro do Saramago… aí sim… é que ia entrar em depressão! |